Tempo Perdido ~ Análise Musical


Antes de fazermos a análise musical, vamos começar a ler a letra da música, na íntegra, sentir um pouco de clima, que a música proporciona…

Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo…

Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder…

Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!…

Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos…

Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo…

Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens…
Tão Jovens! Tão Jovens!

© Renato Russo. Todos os direitos reservados.

A letra da música, a princípio, pode parecer deprimente e triste para muitos, já ao julgar somente pelo título, mas não estamos apenas analisando o título da música, esta mesma música que se arrasta por gerações e mais gerações, podendo ser entoada até os dias de hoje, nas ruas. Mas o que realmente esta música está querendo passar? Que estamos perdendo tempo com coisas supérfluas e inúteis, das quais estamos desperdiçando a nossa vida. Quantas vezes você tem trabalhado bastante o mês inteiro arduamente, só pra pagar as contas no fim do mês, para em fim, passar na pobreza novamente. Seria essa a vida ou a qualidade de vida que estamos procurando ou almejando para nós mesmos? Deixamos de lado, aquilo que realmente nos trás felicidade, para em fim, nos dedicar a algo para sobrevivermos. Pode ser que a música nos alerte que estamos deixando de sermos humanos, pois estamos perdendo tempo, enchendo o bolso dos poderosos.

Há quem diga que a música retrate o Brasil nos tempos pós-ditadura militar, em que boa parte dos jovens perdiam tempo com o serviço militar obrigatório. Ainda assim, ela mantém a essência da minha análise musica, conforme estou fazendo. Esta música ainda é atual nos dias de hoje e não se restringe à juventude no serviço militar, pode falar da juventude se perdendo nas drogas e nos vícios, embora o autor desta música é conhecido por isso. Vamos vendo cidadão em geral se perdendo nas artimanhas dos poderosos, nas manipulações midiáticas, e vendo a vida e o tempo passar, sem mais nem menos. Estamos de fato perdendo tempo, e enquanto isso acontece, não estamos nos tornando humanos, mas apenas meros cadáveres vivos, bonecos de marionete que se locomovem de acordo com a vontade dos terceiros.

Ao olharmos para a primeira estrofe, vemos claramente, que o tempo corre sem parar. Ao acordarmos, lembramos que não temos mais o tempo, pois ele já passou, ele já foi perdido. Mas será que perdermos mesmo o tempo dormindo? Mas dormir é uma necessidade! Mas o “acordar”, mostrado nesta primeira estrofe, não seria o acordar biológico, depois de horas de cama, o repouso noturno. Não fala exatamente isso. Acordar, seria acordar pra vida, para a realidade, enquanto a gente estava adormecido em nossas mentiras, nas ilusões provocadas por nós mesmos ou por terceiros, enquanto a gente estava sendo manipulado, vivendo numa irrealidade. E quando acordamos, daí que vem a catástrofe, o sofrimento, a grande dor. As pessoas entram até mesmo em depressão, ao saber que não mais o tempo que passou. Mas a mesma estrofe nos dá a boa notícia, de que temos muito tempo, todo tempo do mundo. Temos tempo para podermos reconstruir a nossa vida, para viver uma vida nova.

Na segunda estrofe, primeiro verso poderia até contradizer o que disse no parágrafo anterior, a respeito de acordar pra vida, quando diz, que todos os dias, antes de dormir, lembro esqueço como foi o dia. Poderia até ser um dormir biológico, mas vamos lembrar que era o momento de dizer que o dia já passou, e que devemos seguir sempre em frente, como diz a estrofe seguinte. E ainda ressalta que não podemos perder tempo com as coisas que já passaram, com as coisas perdidas no passado, sem apego a eles. Mas se seguirmos essa mesma lógica nessa estrofe, vemos que ao acordarmos, vivemos um novo dia e temos todo tempo do mundo para fazer o que for preciso para sermos felizes. Mas se interpretarmos bem, não foge da lógica.

Na terceira estrofe, vemos um pouco de luta e esforço. Fala que o nosso suor sagrado, é bem mais belo que esse sangue amargo. Esta estrofe, apesar de muitos dizerem que seja uma luta política, mas na verdade, não se restringe a luta política, mas a luta no dia a dia. Lembra do que disse sobre perdermos tempo, para enriquecer os poderosos? É aí que entra a minha proposta da análise. Diariamente, pessoas morrem sumariamente, seja de doenças relacionadas ao trabalhos insalubres e forçados, sejam por riscos e o que os poderosos fazem? Nada! Apenas pensam nos lucros. Eles nunca enxergam como pessoas, mas simplesmente como números e nada mais, com objeto para gerar lucro e mover economia. Sim e isso é muito sério e muito selvagem. O sangue derramado, não é o sangue legítimo, mas amargo, pois não favorece o bem-estar das pessoas, mas de um certo indivíduo, para o detrimento do sangue amargo de muitos. A estrofe chama para que usemos o suor sagrado para vencermos na vida e mudarmos o sistema, como todo, para que todos possam ganhar legitimamente. O sistema é tão sério, tão selvagem, que faz com que as pessoas deixem de ser pessoas, apenas nos tornamos verdadeiras máquinas de trabalhar e consumir.

A quarta estrofe veio como alerta de uma grande dificuldade que já de vir. A manhã tão cinza, a manhã fria e escura. O sol aparece discreto, mas não é um bom dia que há de vir. Reproduzindo o que foi dito nas estrofes anteriores, acordar pra vida, dormir, pra esquecer como foi o dia e lutar com suor sagrado, em nome de uma vida bela e melhor, tem custo. Uma tempestade da cor dos olhos castanhos, ou seja, uma grande tormenta. Lutar por uma vida melhor, incomoda os poderosos, incomoda as pessoas mesquinhas que se satisfazem com a tua depressão e tristeza, em que você estava adormecido, quando estava perdendo seu tempo, quando o tempo estava apenas passando e você, nada.

Já a quinta estrofe, veio a mensagem de segurança, uma mensagem de esperança. Convida a dar um abraço bem forte, e ainda passa uma mensagem de conforto de que está longe de tudo, de toda a tempestade, de tudo que te fazia adormecer, o sistema mantido pelas pessoas mesquinhas. A mensagem de conforto de que logo estará longe de tudo, e ainda diz que temos o nosso próprio tempo. Temos nosso tempo, no nosso paraíso, onde podemos construir a nossa felicidade plena e verdadeira. Temos nosso próprio tempo, um tempo que não pode ser perdido ou desperdiçado por causa de pessoas mesquinhas.

A sexta estrofe mostra um pouco da superação, mas um pouco de cautela também. Você pode não ter medo de escuro, mas deixe as luzes acesas, para intimidar quem está disposto a roubar o seu tempo, e poder se proteger de alguma forma. É preciso manter as luzes acesas, para não nos perdermos também, pois a mesma escuridão, embora não cause medo, ela é muito traiçoeira e nos faz perder mais tempo. Continuando com a estrofe, vemos que o que foi feito não pode voltar atrás. O que foi escondido, é o que se escondido e o que foi prometido, ninguém prometeu, ou seja enganou mentiu, mais uma vez dito na primeira estrofe, quando a gente perdeu tempo, adormecido nas mentiras e nas ilusões. E ainda afirma mais uma vez que ainda somos jovens e temos ainda todo tempo do mundo.

Seguir Fábio Valentim:

Analista de Sistemas e Escritor

Uma pessoa que está sempre disposta a acreditar nos sonhos, no amor e na felicidade até as últimas consequências. Sou proprietário e editor-chefe do Baú do Valentim.

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