O Perigo da Carência

"Não se deixe entusiasmar a ponto de não conseguir distinguir amor de atração, amor de carência, amor de insegurança, amor de fantasia." (Caio Fernando Abreu)
“Não se deixe entusiasmar a ponto de não conseguir distinguir amor de atração, amor de carência, amor de insegurança, amor de fantasia.” (Caio Fernando Abreu)

 

Mesa cheia na reunião de família, conversas nas praças até altas horas, passeio com amigos, entre outros. Cenas como estas ficaram cada vez menos frequentes no nosso quotidiano nos dias atuais, especialmente na era de redes sociais. As mesmas redes sociais, que foram criadas para promover encontros, seja de amigos distantes, ou de alguém que nunca nos vimos. Conhecer pessoas diferentes é uma atividade muito legal, divertida ou até mesmo gratificante, isso é verdade. Mas o que estamos vendo, é uma sociedade cada vez dominada pela carência e pela solidão.

Ser popular pode ser um mau sinal

É admissível que redes sociais foram criadas para promover encontros e convivências mais constantes. O que ocorre na realidade, é uma competição de quem tem maior atenção, a pessoa mais popular. Não existe aquela preocupação em cultivar amizades mais saudáveis. A preocupação principal passou a ser em conseguir mais curtidas, reações ou comentários. Relacionamentos passaram a ser desinteressantes. O ego passou a ser mais importante que qualquer coisa.

Ser popular tem seu lado positivo, quando se existe propósito maior, onde o mesmo depende da popularidade. Mas ela é ruim, quando o objetivo final é apenas popularidade e fama, nada mais que isso. De nada vale conseguir muitas curtidas e comentários, se você passa a maior parte de seu tempo, sozinho em seu quarto. A carência é uma grande armadilha, pois graças a ela, acabamos fazendo qualquer coisa pra termos atenção, ainda que caia no ridículo.

Tudo isso pra alimentar a ilusão de que somos uma pessoas amadas e admiradas, quando na verdade não são. Quer a maior prova disso? Experimente expor suas dores e seus problemas. Experimente pedir ajuda, expor que passa necessidade. Muitos farão o favor de julgar e condenar, assim como boa parte irá se afastar de você. São apenas poucos que irão ajudar de verdade, mas no fim das contas, é muito comum que essas pessoas que ajudam, acabam sendo desprezadas no final. É por isso que a carência é perigosa.

A carência costuma ser enganadora

A carência tem um caráter enganador, pois nos faz “encontrar o amor”, onde ele não existe. Ele mostra a ausência, no lugar onde existe a ambulância. Ela mostra na verdade o que achamos queremos ver, não o que realmente é. Ela cria uma miragem, uma série de fantasias, que cabe somente a você alimentar essa carência ou não. Quanto mais essa carência for alimentada, mais prejudicial ele passa a ficar em sua vida. Isso cria patologias sérias, chegando até mesmo a depressão.

A carência cria falsas ideias, podendo até gerar atritos dentro de relacionamentos, que vai desde amizades, até mesmo dentro de matrimônio. Acabamos criando problemas desnecessários, dentro destes relacionamentos. Isso nos faz com que criemos uma bolha e resumir o mundo nesta bolha. E ninguém pode se aproximar de você, porque você criou essa bolha “impenetrável” da carência, impedindo qualquer contato. Normalmente, ocorre por conta do descontentamento com uma pessoa na qual tem muita consideração e respeito. Portanto, é preciso que haja um entendimento que está lidando com pessoas e as pessoas são falhas.

Da mesma forma a carência faz com que sejamos ancorados em uma certa pessoa ou a um grupo. E esse é o mais comum, gerando relacionamentos tóxicos. Embora seja mais frequente em relacionamentos conjugais, essa toxicidade não é exclusiva neste meio. Pode acontecer em amizades, família e até mesmo em meio profissional. A gente acaba se apegando a essas pessoas e a que é relacionado a isso, com medo de perder, achando que a vida seria desmoronada, com isso.

A carência pode ser a semente para uma vida tóxica

A carência, se não for controlada, se torna a semente para relacionamentos tóxicos, empregos tóxicos, famílias tóxicas e até mesmo, pessoas tóxicas. A carência, quando não é controlada, ela domina totalmente a mente da pessoa, fazendo agir por puro impulso, sem ao menos pensar nas consequências. As pessoas fazem algo que vão contra seus conceitos morais e sua visão sobre o mundo.

Dentre dessas atitudes impetuosas, se formam essas toxicidades citadas no parágrafo anterior. Mas poderemos também mencionar estados mais críticos, como o uso das drogas e outros delitos, achando que estamos fazendo isso para ganhar atenção e afeto de alguém. De qualquer forma, a carência pode trazer transtornos enormes para o futuro e levando a série de trágicas consequências.

A carência é aquela sensação de vazio, mas que tipo de vazio? Aquele vazio existencial, emocional e principalmente afetivo. Por conta deste vazio, a gente procura algo pra preencher. É como se você estivesse com fome e precisa muito se alimentar, a ponto de fazer qualquer coisa para saciar sua fome. Infelizmente são poucos que tem a resiliência bem desenvolvida para lidar com esse tal vazio. Mas não é uma tarefa fácil para a grande maioria das pessoas lidar com essas situações.

Então, como domar a carência?

A carência não é algo que vamos viver sem ela. Podemos viver sem depressão, mas não há como viver sem uma gota de carência. É por isso que não devemos de forma alguma confundir tristeza ou carência com depressão. Então, a palavra não é de fato vencer a carência ou eliminar a carência. A palavra correta seria domar a carência. Sempre vamos necessitar de um momento afetivo, querendo ou não. Domar a carência é um grande exercício para desenvolver a nossa maturidade com a vida.

1) Trabalhe o amor próprio

O amor é um sentimento mais nobre, porém, é nobre demais para ser mendigado ou implorado. O amor é a seiva da afetividade humana e é essencial para uma pessoa. Trabalhar o amor próprio é reconhecer o valor que existe em si próprio, o diamante que há dentro de você, mesmo que ninguém a enxergue. Por isso, você não deve ficar colado, grudado ou apegado a qualquer pessoa. Infelizmente vivemos em um mundo onde tem pessoas interesseiras. Pessoas que gostam de rir dos nossos sofrimentos, sugar nossas energias e até mesmo nos fazer sofrer.

Quando temos amor próprio, sabemos quem é a pessoa digna de nossa confiança. Isso não significa que devemos nos isolar de todos, muito menos nos achar superior aos outros. Às vezes precisa entender que a pessoa que pode estar pisando, está precisando muito de ajuda. É preciso ter um bom discernimento e saber as reais intenções da pessoa.

Ninguém tem obrigação de ficar colado ou grudado em outra pessoa. Também não é obrigado a com alguém com quem não tem afinidade ou não se sente bem com a mesma pessoa. Da mesma forma, você não pode obrigar as pessoas te aceitar, nem forçar relacionamentos. Nada que é forçado ou imposto, traz bons resultados.

2) Evite ficar muito tempo sozinho

A gente fica procurando soluções mágicas pra alimentar nossa afetividade lá fora, quando o maior alimentador está dentro de nossas casas. Não faz sentido ficar o dia todo dentro do quarto, quando sua família está a sua espera. O mesmo se fale do relacionamento conjugal ou matrimonial. Você casou com aquela pessoa e se sente sozinho. Não existe solidão pior do que a solidão a dois. Aquela pessoa que poderia saciar toda a sua carência de qualquer forma possível, está sendo rejeitada por você mesmo.

Melhor sozinho que mal acompanhada, isso é verdade. Mas por outro lado, não devemos viver como bichos do mato. Ser seletivo nos relacionamentos, seja de qual tipo seja, requer custos. E a solidão sempre vem dar as cara, e precisamos lidar com ela. No caso específico de relacionamentos conjugais, é preciso dar mais atenção a seu companheiro, antes de procurar terceiros para saciar sua carência.

3) Desligue-se mais das redes sociais e internet

A internet é uma ferramenta maravilhosa. Graças a ela, poderemos manter contato com algo que era intangível, se ela não existisse. Redes sociais então, nem se fala, com o maravilhoso propósito de promover encontros. Mas o que ocorre é afastar as pessoas que estão perto e aproximar os que estão longe, criando a ilusão, como tenho dito.

Então, se as redes sociais são um problema, que tal se desligar delas um pouco? Por que não apreciar o céu azul, sentir o vento batendo no rosto e ver as crianças brincando na praça? Por que não manter contato com a pessoa que realmente se importa de verdade? As redes sociais podem até ser a representação da realidade, mas não é de fato a realidade. Muitas coisas são mascaradas e falseadas pelos próprios usuários que postam nas redes.Às vezes não precisamos de contato com as pessoas, mas a natureza ao redor.

Existe uma “profecia” futurista que no futuro teremos mais tempo para lazer e mais para si mesmo. Então vamos fazer valer essa profecia e procurar mais tempo para nós mesmos. Estamos ocupando quase todo nosso tempo livre com internet e redes sociais, de forma demasiada e desnecessária. Vamos procurar outros meios que nos fazem bem.

4) Exercite hobby e lazer

Complementando o item anterior, devemos procurar algo que nos agrada. Às vezes precisamos plantar um jardim, fazer uma caminhada, andar de bicicleta, conhecer lugares novos e muitos outros. Muitas coisas poderemos fazer para alimentar nossa alma. O nosso foco principal não deve ser dinheiro, assim como o prazer de ser útil.

Neste exercício, quem sabe acabe de encontrar boas amizades e companhias, e quem sabe também encontrar um grande amor de sua vida. Não podemos viver na poça do conformismo. Vale lembrar que á necessidade que nos faz sempre mover, e sem querer, nos leva ao sentido da vida e à satisfação total com a vida. Não é preciso ter muito dinheiro, nem mesmo ter muito tempo, basta apenas ter a disposição para fazer.

Seguir Fábio Valentim:

Analista de Sistemas e Escritor

Uma pessoa que está sempre disposta a acreditar nos sonhos, no amor e na felicidade até as últimas consequências. Sou proprietário e editor-chefe do Baú do Valentim.

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