Admirável Gado Novo ~ Análise Musical

 

Antes de mais nada, vou colocando a letra da música Admirável Gado Novo na íntegra e também o vídeo para curtir e sentir o clima dela, para se sentir mais a vontade.

Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber…
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer…

Êeeeeh! Oh! Oh!
Vida de gado
Povo marcado, Êh!
Povo feliz!

Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal…
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou…

Êeeeeh! Oh! Oh!
Vida de gado
Povo marcado, Êh!
Povo feliz!

O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam essa vida numa cela…
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A Arca de Noé, o dirigível
Não voam nem se pode flutuar
Não voam nem se pode flutuar
Não voam nem se pode flutuar…

Êeeeeh! Oh! Oh!
Vida de gado
Povo marcado, Êh!
Povo feliz!…

© Zé Ramalho. Todos os direitos reservados

Vale lembrar que esta letra remete muito a obra de Aldous Huxley, o Admirável Mundo Novo, na qual eu já comentei aqui neste site. Mas por que chamamos de gado novo, ao invés de mundo novo? Pode ser um gesto criativo do compositor, mas podemos interpretar que não é um simples gesto criativo do compositor, pois existe uma verdade atrás da palavra “gado”. Quem leu a obra de Huxley, pode ver claramente que as pessoas altamente civilizadas, na flor de 600 anos depois de Ford (provavelmente no ano de 2463 depois de Cristo, contados a partir da data de nascimento do Henry Ford), na verdade, vivem como gados. O gado, não tem pensamento, nem ideologia, nem mesmo o senso crítico. Ele apenas segue as ordens do peão, do fazendeiro, sem nenhum questionamento.

Mas sabemos muito bem que muitos acontecimentos citados neste livro já ocorre no nosso presente, como eu mesmo disse também neste blog. E isso podemos ver claramente, através de manipulações midiáticas, mensagens subliminares em meios de comunicação. O que mais vemos em nossa sociedade, são pessoas que são manipuladas o tempo todo por estes meios e que ninguém percebe isso. É como se todos estivessem adormecidos em pleno sonho, como se fosse o tal soma, dito frequentemente na história. Vemos pessoas que dão muito mais importância ao que acontece nos reality shows, sobre qual a cor da calcinha daquela modelo, ou se a tal jovem está do Canadá, ao invés de cobrar pelo que mais interessa, que é cobrar dos políticos, a melhoria pela saúde e educação pela melhoria dos hospitais públicos e também pela infra-estrutura. Chega a ser risível sermos um dos países mais ricos do mundo e ainda vermos tanta gente miserável que nem tem o que comer. E o pior de tudo: são marionetes da mídia e dos políticos corruptos que se aproveitam deles. É a famosa política do pão e do circo. Logo, o Zé Ramalho usou muito bem o termo gado, para designar os fatos na sociedade Huxeliana, digo, a nossa sociedade.

Na primeira estrofe, vemos com clareza a dificuldade do povo brasileiro, que dá muito mais que recebe. O povo que passa até 5 meses trabalhando, apenas pra pagar impostos. E estes impostos não são bem aplicados da maneira que devem ser aplicados. Geralmente são pagos pra pagar as mordomias dos parlamentares, juízes, ministros e outros cargos de primeiro escalão, para custear eventos, que pouco vão beneficiar a população. Enquanto isso, a população, especialmente os que dependem do bolsa-família [1], vivem na miséria e não são correspondidos da maneira que merecem ser correspondido. Logo, nesta mesma estrofe, vemos que é preciso ter coragem de sair das amarras da mídia, que nos controla e nos manipula, e vermos e denunciarmos a tal engrenagem que está enferrujado pela corrupção ativa e pela violência contra a população. Fala-se muito do estupro em reality shows, mas não se fala que o Estado estupra a população há anos, e ainda são poucos que demonstram coragem em enfrentar esse sujo sistema.

Na segunda estrofe (não o refrão), vemos claramente a manifestação da Ditadura do Politicamente Correto (a vigilância cuida do normal), em meio a um clima confortável e sereno que demonstra lá fora. Na verdade, este tempo confortável é uma mera ilusão, pois ignoramos o que ocorre por debaixo do tapete, atrás dos móveis. Estamos em uma mansão suntuosa e vistosa cheia de ratos e outras pragas. Os automóveis ouvem a notícia e os homens a publicam no jornal, o que seria na verdade, a manipulação midiática mais uma vez presente nesta música, especialmente nesta estrofe, onde as pessoas dão muita importância ao que a mídia mostra. Mas isso pouco acrescenta para população, que se preocupa mais em saber a cor da calcinha da modelo ou se um participante de um reality show sofreu estupro, enquanto vemos pessoas sendo jogados no chão dos corredores dos hospitais, como bichos. Então correm através das madrugadas, quando as pessoas estão em coma, adormecidas pelo controle da mídia. É muito fácil e mais atraente a notícia de degradação humana. Histórias de desastres e fatalidades são muito mais atraentes que histórias de coragem e superação. A respeito da velhice, citada na música, é que ela sempre diz a mesma coisa, que é violência e escândalos, o que não é nenhuma novidade nos noticiários, ou seja o que sobra, ou seja, o que pode beneficiar toda a massa, é apenas uma sobra.

Na terceira estrofe, vemos a esperança. Parecia que o Zé Ramalho previa os movimentos saídos a partir das redes sociais, o ativismo de sofá, que querendo ou não está mudando o mundo, bem como a ação de grupo de hackers ativistas, que lutam pelo mundo melhor. Vemos que as pessoas estão abrindo seus olhos, fugindo da ignorância, ainda que vivem perto dela. Os ignorantes, isso mesmo, aqueles bonecos manipulados, pela mídia, que ficam atacando as pessoas que se livraram das garras da mídia e denunciam incessantemente a corrupção, mostrando que não vivemos no país das maravilhas. Vemos esses guerreiros que sonham com a vida melhor, abrindo as mentes das pessoas, de ver o mundo acabar. Mas que mundo? O mundo de 2012? Não. O mundo sujo e corrupto que o povo está cansado de viver, para um mundo mais justo e iluminado. Mas observemos que estes guerreiros estão presos, presos em uma sociedade hipócrita, em que são julgados por cada palavra dita, cada frase postada, pelos agentes do politicamente correto. Logo, eles vivem em uma prisão sem muros da sociedade do vigiar e punir.

Daí vem a figura da arca de Noé e do dirigível, que não podem voar e nem flutuar. Seria uma perda de esperança do autor? Não exatamente. Os guerreiros, no entanto, não podem lutar sozinhos. Eles precisam ser muitos, para podermos derrubar quem as oprime. A esperança está muito além do que podemos crer e entender. É o que podemos demonstrar o quanto vale a fé no nosso futuro. Por fim, o emblemático refrão, onde vemos o povo marcado, mas feliz. Mas é uma felicidade falsa, pois todos estão sendo consumidos pelo soma, sendo manipulados o tempo todo pela mídia. Vemos pessoas, que preferem admirar a desgraça alheia e a degradação do seu próximo, ao invés de fazer o seu próximo crescer.
[1] Não sou contra o bolsa-família, pelo contrário, eu apoio bastante, pois o mesmo foi o fator importante para o crescimento do país, durante o governo Lula, embora possa ser interpretado também como um voto de cabresto. Mas sobre o que disse no texto sobre o assunto, continuo mantendo a mesma opinião hoje e que não mudei a respeito disso.
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Analista de Sistemas e Escritor

Uma pessoa que está sempre disposta a acreditar nos sonhos, no amor e na felicidade até as últimas consequências. Sou proprietário e editor-chefe do Baú do Valentim.

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